A diferença entre custo e investimento na vida das pessoas com deficiência

Citação de An Catarina Correia: "A diferença entre custo e investimento na vida das pessoas com deficiência"

Existe a ideia socialmente partilhada de que as pessoas com deficiência representam um custo económico e social para as sociedades e os Estados Nação.

Pensemos nas políticas públicas e sociais que devem abranger todas as áreas da vida (individual e coletiva) e ter em conta a realidade de quem vive com uma deficiência. Nas prestações sociais, nos financiamentos de produtos de apoio, na adaptação do local de trabalho, na aquisição de veículos adaptados e de tecnologias de apoio à comunicação. Na necessidade de acesso a programas de reabilitação que são imprescindíveis. No fundo, a autonomia e liberdade das pessoas com deficiência dependem de medidas políticas multissetoriais e que exigem investimentos financeiros (e não só) consideráveis.

É esta a ideia central que vos quero trazer: a diferença entre custo e investimento. Efetivamente, Portugal em termos de políticas para deficiência, vê, em muitas vertentes, a nossa existência como um custo económico. É hora de explicar porquê. Se temos um país inacessível, onde é difícil exercer os nossos direitos básicos (como andar na rua, utilizar os transportes públicos ou simplesmente viver na comunidade com os serviços de apoio adequados, por exemplo) somos efetivamente um custo. Porque necessitamos de transportes especializados, porque os serviços de apoio existentes são poucos, porque não saímos de casa nem conseguimos ter um emprego, porque somos uma responsabilidade acrescida para as nossas famílias.

Vejamos então o cenário oposto. Um país onde somos considerados sujeitos de direitos e onde as políticas que nos são dirigidas são de âmbito ativo. Medidas que nos permitem viver na comunidade, contratar serviços, utilizar o espaço público e os transportes públicos, sermos contribuintes. Desempenhar funções e representar um valor social acrescentado no meio onde nos encontramos. Aqui passaremos a ser um investimento. Porque a discriminação e exclusão trazem custos de âmbito pessoal, social e económico. A título de exemplo, iremos recorrer mais vezes a consultas médicas e ao Sistema Nacional de Saúde. Iremos ter serviços de apoio de fraca qualidade e escassos o que tornará, presumivelmente, mais frágil e vulnerável a nossa saúde (física e mental).

Continuaremos segregados e excluídos do espaço público e dependentes, única e exclusivamente, de prestações sociais. No entanto, se nos permitirem assumir o papel de contribuintes seremos isso mesmo: uma parte significativa do desenvolvimento da economia, da tecnologia, da ciência e da medicina. Cidadãos com competências que têm muito para dar ao mundo, às empresas e às comunidades.

No fundo, não se trata apenas de respeitar e materializar princípios de Direitos Humanos (que são muitíssimo importantes!) mas também de perceber, de forma pragmática, que temos muito para dar à sociedade e à economia. A ideia socialmente partilhada de custo e sujeito passivo tem de se transformar no que devemos ser realmente: contribuintes e cidadãos de pleno direito que com as oportunidades certas e com os apoios justos podem ocupar o lugar que lhes é devido: um lugar de dignidade e de cidadania com um impacto muito positivo nas dinâmicas económicas.

 

Ana Catarina Correia


Licenciada e mestre em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Ana Catarina Correia é técnica no Centro de Apoio à Vida Independente Norte (CAVI Norte) da Associação CVI – Centro de Vida Independente. É também atleta de alto rendimento de Boccia e ativista pelos Direitos Humanos das pessoas com deficiência. Amante de leituras no geral e de poesia no particular.


Amplificador

Maya Angelou numa conferência no Texas em 1988 sobre Enfrentar o Mal. Neste excerto, apresenta e recita um poema musical que escreveu para Roberta Flack onde homenageia “Uncle Willie”. O seu Tio Willie, pobre, negro e com uma deficiência, deixou um legado profundo. “My spirit is the soul of every Spring”, escreveu Maya Angelou, citando o seu Tio.


Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 

Cinema São Jorge | Festival Política
21 a 23 de abril, Lisboa

Destaque: O Festival Política regressa ao Cinema São Jorge, com a pós-democracia como tema central. Na agenda, três dias de cinema, performances, música, humor, exposições, debates e atividades para crianças centradas na defesa do sistema democrático e na promoção da cidadania, intervenção cívica e direitos humanos. Entrada gratuita mediante lotação das salas.

+ info: Festival Política

Acessibilidade: Todas as atividades têm interpretação para língua gestual portuguesa e todos os filmes estão legendados em português.

 

Teatro do Bairro Alto | In Floods
21 e 22 de abril

Destaque: A experiência de viajar até aos Estados Unidos para ir a dois funerais coincidentemente próximos depois de 15 anos fora do país levou o artista, escritor e performer Greg Wohead a refletir sobre a sensação simultânea de estranheza e de familiariedade. A partir da leitura de Mark Fisher sobre estranheza, convida-nos a mergulhar nesta autoficção sensorial sobre o que siginifca realmente regressar a casa.

+ info: Teatro do Bairro Alto

Acessibilidade: Espetáculo em inglês com legendagem em português.

Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt

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