O imperativo atual da reafirmação do Modelo social da deficiência

Citação de Fernando Fontes: "O imperativo atual da reafirmação do Modelo social da deficiência"

A forma como entendemos a deficiência resulta das dinâmicas sociais e culturais estabelecidas em cada contexto histórico e geográfico. O mesmo significa afirmar que a deficiência é um fenómeno socialmente construído, e que a forma como cada sociedade olha para as pessoas com deficiência, as oportunidades e barreiras criadas, é variável no tempo e depende de uma multiplicidade de fatores onde se incluem o estatuto socioeconómico, o tipo e origem da incapacidade, a idade, o sexo, a identidade de género, a orientação sexual, a raça e a origem étnica de cada pessoa entre outras possíveis características individuais. Pelo que, ser uma mulher com deficiência não é o mesmo que ser um homem com deficiência, tal como, ter uma incapacidade congénita não é o mesmo, para a sociedade, que ter uma incapacidade adquirida, o mesmo se aplicando às restantes características.

As diferentes vivências da deficiência e da condição de ser identificado/a como uma pessoa com deficiência em cada momento histórico-geográfico apresentam, no entanto, um traço comum: a opressão de que as pessoas assim perspetivadas são alvo por parte das sociedades em que estão inseridas. Esta opressão social manifesta-se de múltiplas, variadas e consteladas formas nas vidas das pessoas com deficiência, tais como a desconsideração das suas opiniões e das suas necessidades, a menorização das suas vidas, o silenciamento das suas vozes, a sua construção como pessoas passivas e dependentes, a transformação da sua diferença num factor de exclusão, e o cerceamento das suas vidas por fenómenos de pobreza e exclusão social, e até mesmo de violência. Como as vivências das pessoas com deficiência demonstram, e a investigação tem vindo a denunciar, estas formas de opressão social não se manifestam de forma isolada e ou cumulativa, mas sim potenciam-se mutuamente quando interagem, amplificando as formas de opressão social geradas. Este fenómeno, que tem marcado as vidas das pessoas com deficiência, representa um desrespeito pelos seus direitos humanos e compromete o reconhecimento, a efetivação e o gozo dos seus direitos de cidadania.

O desenvolvimento da ciência moderna permitiu afastar visões e explicações teológicas da deficiência opressoras das pessoas com deficiência, dominantes ao longo de grande parte da história da humanidade, que associavam a incapacidade a uma forma de castigo divido resultante do pecado e, mais tarde, à presença divina, transformando as pessoas com deficiência em objetos de caridade e instrumentos de salvação alheia. A mudança introduzida na compreensão social da saúde e da doença resultante do desenvolvimento da medicina e do diagnóstico médico e a afirmação da ‘cura’ como principal objetivo, conferiu, no entanto, aos profissionais de saúde o poder de “determinar os limites entre indivíduos ‘normais’ e ‘anormais’, as pessoas sãs e insanas, saudáveis e doentes” (Barnes e Mercer, 2010:18). Como resultado, assistimos a uma medicalização da deficiência, encarada como uma questão individual, e ao encetar de um processo de segregação espacial e institucionalização das pessoas com deficiência.

A afirmação do movimento de pessoas com deficiência no final da década de 1960 e na década de 1970, em países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido, permitiu uma politização da questão da deficiência e a sua identificação com o fenómeno de opressão social. Esta perspetiva, que veio a ser conhecida como modelo social da deficiência, confirmou a reconceptualização da deficiência como um fenómeno socialmente produzido de exclusão e opressão das pessoas com deficiência por parte da sociedade dominante (UPIAS, 1976).

Não obstante o posterior surgimento de diferentes modelos de conceptualização da deficiência, conciliando perspetivas (bio-psico-social) ou afirmando direitos (dos Direitos Humanos), os impactos do modelo social da deficiência são, no entanto, inegáveis no reconhecimento da importância do contexto sociopolítico e cultural na definição da deficiência e das oportunidades conferidas às pessoas com deficiência em cada sociedade. Algumas das mais marcantes políticas públicas na área da deficiência são devedoras deste modelo, exemplos disso são a lei anti-discriminação das pessoas com deficiência (Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto) ou o, recentemente introduzido em Portugal, Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), bem como algumas das recentes estratégias de promoção da acessibilidade em vários espaços públicos ou mesmo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada pela ONU em 2006 e ratificada por Portugal em 2009.

A reafirmação do modelo social da deficiência constitui, assim, um imperativo para a denuncia dos fenómenos de opressão social vividos pelas pessoas com deficiência e para a efetivação dos seus direitos, humanos e de cidadania, e um garante para a concretização da sua inclusão social.

Fernando Fontes

Sociólogo, doutorado em Sociologia e Política Social com especialização em Estudos da Deficiência pela Universidade de Leeds, Reino Unido, e mestre em Sociologia e Política Social pela Universidade de Coimbra, Portugal. É Investigador Auxiliar do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra onde se tem dedicado à investigação da situação das pessoas com deficiência e das políticas de deficiência em Portugal.


Amplificador

Reimagining Disability & Inclusive Education | Jan Wilson

Cada pessoa é única e tem competências diferentes. Mas então porque é que os estudantes são ensinados da mesma maneira? Acompanhamos Jan Wilson, Professora de Estudos e História da Mulher e do Género na Universidade de Tulsa.  As suas áreas de ensino e investigação incluem estudos sobre género e deficiência, teoria feminista, e História da Mulher dos Estados Unidos.adoram.

Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 


Culturgest | Ôss (Alkantara Festival)
26 de Novembro, Lisboa

Inserido nofestival Alkantara, “Ôss” é o resultado do encontro entre Marlene Monteiro Freitas e a companhia Dançando com a Diferença. Nesta peça, performers da companhia exploram relações com partes dos seus corpos, a partir da matéria que lhes dá forma.  

+ info: Ôss

Acessibilidade: Audiodescrição, acessibilidade física.


Cineteatro Louletano | Zoo Story 
30 de Novembro, Lisboa

Depois de Lisboa, “Zoo Story” ruma a Sul, em Loulé. Esta co-produção entre a Terra Amarela e o Teatro D. Maria II, retrata o desempenho de dois intérpretes surdos, cujo processo de casting se iniciou em Fevereiro de 2022 numa oficina teatral dirigida a intérpretes S/surdas/os. Um encontro raro entre públicos que têm diferentes necessidades e expectativas e que reconhecerão na prática teatral o seu espaço de representatividade, afirmação e sentimento de pertença.  

+ info: Cine Teatro Louletano

Acessibilidade: Audiodescrição, Língua Gestual Portuguesa e acessibilidade física.


Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt

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