Imaginem… Uma comunidade

Imagem de cristina Gil com o título da newsletter: "Imaginem... Uma comunidade

Eles são muitos, mas não se conseguem identificar, nem são identificados pelos outros. Eles vivem entre outros, que são a maioria. Eles têm uma língua e uma cultura distintas. Os outros não notam que eles estão por ali, mesmo quando eles falam a sua língua entre si. Nem todos notam. Alguns, quando percebem a diferença, têm pudor dela. Outros ficam fascinados. Os outros têm a sua forma distinta de ver o mundo, têm os seus costumes, efemérides, regras implícitas, e possuem manifestações culturais e artísticas distintas da maioria, como o teatro, a poesia, mas que detêm as suas particularidades, e tantos detalhes que em outra oportunidade vos explicarei melhor.

No entender da maioria, eles deviam falar só e apenas a língua maioritária, por isso, eles estão há séculos a ser assimilados. Assim, estão criadas as condições sociopolíticas, especialmente através da educação, e políticas mono-linguísticas de acessibilidade, para tornar não só a maioria da sociedade, assim como o seu ambiente circundante, hostil. Através de avanços tecnológicos, existem uns aparelhos que se colocam no corpo desses seres diferentes, e uns podem remover-se e outros não, mas são colocados no corpo para que essa assimilação seja suave. Não é. As crianças são logo colocadas em terapias e reabilitação, para aprenderem a serem, ou aliás, parecerem membros da maioria.

Quem achar que o texto acima é ficção, esta é a realidade da Comunidade Surda no mundo actual. E todos os Surdos que conheço são forçosamente activistas no seu quotidiano, porque não passa um dia que não sejam confrontados com barreiras de comunicação e direitos suprimidos. Em Portugal, usa-se a Língua Gestual Portuguesa (LGP) e a Cultura Surda está viva, ainda que não existam muitas instituições que a fomentem ou acolham. É uma cultura oprimida, tal como a LGP é uma língua em risco. No entanto, enquanto tivermos pessoas Surdas, teremos línguas gestuais, como disse o sábio George Veditz (1913). A Cultura Surda emerge sustentada pela língua gestual e como qualquer língua e cultura – alimentam-se mutuamente. Existem, por exemplo, géneros literários em Literatura Surda que não existem em línguas orais, como o Visual Vernacular ou poesia só com determinados tipos de configurações manuais ou tipos de gestos (poesia com o alfabeto manual ou com classificadores). Existem jogos, tradições, expressões idiomáticas, anedotas… existe um universo que passa despercebido a quem não sabe LGP. Eu sou uma sortuda por tê-la aprendido na adolescência e a LGP e a Cultura Surda mudaram a minha vida. As idiossincrasias de uma cultura visual extrapolam em muito qualquer texto escrito ao qual estou limitada por comunicar desta forma. Teria de vos mostrar.

Temos ainda de aprender que eles e outros, somos nós todos. A Humanidade beneficia com a diversidade, aprendendo a respeitar o direito do outro existir e de ter a sua identidade, cultura e língua. A identidade Surda, a LGP e a Cultura Surda,são diferentes, o que é positivo, e apesar de estarem em risco de extinção resistem visíveis, mesmo que as queiram apagar.

Cristina Gil


Cristina Gil
é fluente em LGP, investigadora em Cultura Surda, com um doutoramento em que cruzou Estudos Surdos, Estudos de Cultura e Estudos de Utopia, cunhando o neologismo Deaftopia (2020). Ensina futuros intérpretes de LGP na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal e é co-fundadora do Deaf Studies Lab (CECC). É ouvinte, motard, e fascinada por arte e cultura. É através da sua prática profissional que exerce o seu ativismo pela defesa da Cultura Surda, línguas gestuais e pelos direitos das pessoas Surdas existirem.

Megafone

A argumentista, realizadora e autora Surda, Chrissy Marshall, ensina Mark Ruffalo, Lily Gladstone, Sandra Hüller e outros nomeados para os 96º Óscares, a usar a Língua Gestual Americana nos seus filmes nomeados para os Óscares.

Clipping

CTT lançam serviço de vídeo interpretação em Língua Gestual para atendimento a clientes  
 

Ler artigo: ctt.pt

Os CTT – Correios de Portugal, em parceria com a Serviin, já têm disponível  um serviço de vídeo interpretação em Língua Gestual Portuguesa (LGP)  quebrando algumas barreiras de comunicação até agora existentes e contribuindo para uma sociedade mais inclusiva.

 

Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 

 

A farsa de Inês Pereira  | Teatro Nacional São João

16 de março, Porto

Destaque: Em 1523, Gil Vicente escreveu esta “farsa de folgar”, relato cómico das desventuras de uma mulher da classe média portuguesa do século XVI que desafia o poder familiar e a mentalidade medieval da sociedade quinhentista. Quinhentos anos depois, Pedro Penim reescreve o original vicentino e transforma-o numa obra do nosso tempo: “A farsa he de Inês Pereira, certo?/ Então sam eu que a subverto”, diz a sua Inês. Mantendo a métrica e a rima, A Farsa de Inês Pereira (des)constrói um espaço de reflexão sobre o empoderamento feminino, a urgência de um diálogo intergeracional, o pós-trabalho, o direito ao tédio. “Rejeito o jugo da labuta, da tarefa e do afazer.” O espetáculo fecha a trilogia que o encenador dedica à família, depois de Pais & Filhos (2021) e Casa Portuguesa (2022). Pedro Penim questiona alguns dos alicerces da sociedade contemporânea e propõe uma espécie de manifesto lançado ao futuro. “Somos todos refugiados da família nuclear.”

+ info: Teatro Nacional São João

Acessibilidade: Língua Gestual Portuguesa e audiodescrição. 

Belém Soundcheck | Centro Cultural de Belém 

21 a 24 de março, Lisboa

Destaque:  O CCB apresenta 3 espetáculos com recursos de acessibilidade no Belém Soundcheck. Dia 21 de março, Maria João e João Farinha apresentam um espetáculo dedicado à reinterpretação da obra de Shakespeare com interpretação em Língua Gestual Portuguesa. No dia seguinte, à mesma hora, o jazz de Amaro Freitas terá coletes sensoriais para pessoas Surdas poderem sentir as diferentes texturas rítmicas. A 24 de março, Kremerata Baltica, apresenta um espetáculo com audiodescrição.

+ info: Centro Cultural de Belém

Acessibilidade: Espetáculos com LGP e audiodescrição.

Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt 

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