Compreender para diminuir o capacitismo

Imagem com Paula Campos Pinto com título da newsletter: "Compreender para diminuir o capacitismo"

Vivemos numa sociedade marcada pelo capacitismo, um sistema fundado na crença generalizada da superioridade das pessoas com funcionalidades típicas. Permanentemente comparadas a estas, as pessoas com algum tipo de incapacidade são vistas como inferiores e a necessitar de ver reparadas ou eliminadas as suas limitações, sempre percecionadas como algo de anormal, em vez de encaradas como parte inevitável da experiência humana. Deste modo, tal como o racismo ou o sexismo, o capacitismo discrimina e inferioriza as pessoas com deficiência, remetendo-as para um lugar marginal na sociedade, reduzidas a um conjunto de estereótipos negativos, preconceitos egeneralizações enviesadas, simplistas e abusivas.

O capacitismo tem uma dupla face, isto é, traduz-se por um lado em comportamentos individuais e, por outro, no modo como operam as instituições e estruturas sociais. Fiona Kumari Campbell (2001), uma das primeiras a explorar este conceito, define-o como:

Uma rede de crenças, processos e práticas que produz um tipo particular de sujeito e de corpo (o corpo normalizado), que é projetado como perfeito e típico da espécie e, portanto, essencial e completamente humano. A deficiência é então entendida como um estado diminuído do ser humano (p.44; nossa tradução).

No plano individual, o capacitismo envolve, por exemplo, sentimentos de desconforto na presença de uma pessoa com algum tipo de deficiência, a redução da pessoa à sua incapacidade, ou a atribuição estereotipada de características específicas a pessoas com um certo tipo de incapacidade (por exemplo, pessoas com síndrome de Down vistas como ‘amigáveis’ e pessoas com deficiência intelectual olhadas como‘perigosas’ ou ‘imprevisíveis’); contudo, independentemente da sua forma,condiciona sempre as interações sociais entre pessoas com e sem deficiência, originando atitudes que podem ser de comiseração, aversão, discriminação ou exclusão.

Estas manifestações individuais ocorrem num contexto marcado pelo capacitismo estrutural e sistémico que se manifesta em legislação, políticas e práticas sociais e culturais que concorrem para a opressão das pessoas que habitam corpos com incapacidades: das leis que promovem serviços segregados, à visão que perpetua o modelo médico e a institucionalização das pessoas com deficiência. Acima de tudo, o capacitismo estrutural acontece quando as pessoas com deficiência não são incluídas nas decisões que afetam as suas vidas, quando a sua presença é dificultada ou impedida e a sua voz silenciada pela ausência de acessibilidade, seja ela física, de linguagem o uatitudinal.

A persistência das perspetivas capacitistas ajuda a explicar alguns resultados que os Relatórios Pessoas com Deficiência em Portugal: Indicadores de Direitos Humanos, produzidos pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, vêm revelando: taxas mais elevadas de abandono escolar, de desemprego e de risco de pobreza ou exclusão social entre as pessoas com deficiência em Portugal, face à população em geral.

Chegados aqui poderíamos pensar que a prevalência do capacitismo reduz as vidas das pessoas com deficiência a uma existência irremediavelmente marcada pela tragédia e pelo infortúnio, só superáveis com uma enorme força de vontade. Nada mais errado. Nem vítimas, nem super-heróis, as vidas das pessoas com deficiência são, afinal, como as de todas as pessoas, feitas de pequenos e grandes passos, de pedras e de pedregulhos, mas também de conquistas, de alegrias e de sucessos. Cabe-nos, enquanto sociedade, eliminar obstáculos desnecessários e criar oportunidades para as deixar florescer.

Nota: Uma versão mais extensa deste artigo encontra-se em Pecegueiro, C. (org.)(2023). Mulheres do meu país: Século XXI.

Paula Campos Pinto

 

Paula Campos Pinto Paula Campos Pinto  é doutorada em Sociologia pela Universidade de York (Toronto, Canadá). Professora Associada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, fundou e coordena o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, onde tem desenvolvido investigação e publicado sobre temas relacionados com deficiência, direitos humanos, políticas públicas e género.

Megafone

Breves minutos inseridos na temática “How You See Me” (Como me Vês), desta vez dedicados à deficiência. Como olha a sociedade para uma pessoa com deficiência? “A sociedade não relaciona a deficiência com ser atraente… mas podemos ter estilo, ser lindos, deslumbrantes e fabulosos.”

Clipping

União Europeia de Cegos preocupada com o impacto da inteligência artificial 
 

Ler artigo: Jornal de Notícias

A União Europeia de Cegos é uma organização que congrega associações representativas das pessoas com deficiência visual de 41 países. Mostra precupação com o papel que a inteligência artificial pode vir a desempenhar e o impacto que tem no caso das pessoas com deficiência visual, quer ao nível do emprego, quer ao nível da participação na vida em sociedade e também, naturalmente, ao nível da acessibilidade a todos os produtos e serviços.

 

Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 

Cordoaria Nacional | Factum 
Até 5 de maio, Lisboa

Destaque:  Por ocasião dos 50 anos do 25 de abril, as Galerias Municipais apresentam, no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, a exposição Factum, de Eduardo Gageiro.
De entrada livre, Factum mostra uma seleção alargada de cerca de 170 fotografias de Eduardo Gageiro, um dos mais notáveis fotógrafos portugueses que acompanhou criticamente acontecimentos, modos de vida e personalidades diversas da história recente do país.

Para esta exposição foram realizadas novas e cuidadas digitalizações, tratamentos de imagem, ampliações e impressões de todas as fotografias selecionadas, a partir dos seus negativos originais.

Destacam-se, neste âmbito, algumas das imagens mais relevantes do dia 25 de Abril de 1974, entre outras séries de trabalhos, que mostram o país nas suas várias vicissitudes políticas, sociais e culturais, desde a década de 1950 até 2023: trabalho nas fábricas, no campo, na construção civil, emigração, repressão policial do Estado Novo, manifestações populares, revolução, religião, bastidores da política, personalidades várias, entre outros assuntos. A fotografia mais recente foi tirada na manifestação de 25 de abril de 2023.

+ info: Galerias Municipais

Acessibilidade: As Galerias Municipais de Lisboa organizam uma visita-guiada com interpretação em Língua Gestual Portuguesa no próximo dia 18 de fevereiro, pelas 16h. Para mais informações, contactar info@galeriasmunicipais.pt.

Museu Bordalo Pinheiro | Hoje Sinto-me Bordalo 

25 de fevereiro, Lisboa

Destaque:  Visita guiada ao Museu, com audiodescrição, focada no talento, originalidade e obra multifacetada de Rafael Bordalo Pinheiro.


+ info: Museu Bordalo Pinheiro

Acessibilidade: Entrada livre, mediante marcação obrigatória através do email servicoeducativo@museubordalopinheiro.pt

Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt 

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