Vivemos numa sociedade marcada pelo capacitismo, um sistema fundado na crença generalizada da superioridade das pessoas com funcionalidades típicas. Permanentemente comparadas a estas, as pessoas com algum tipo de incapacidade são vistas como inferiores e a necessitar de ver reparadas ou eliminadas as suas limitações, sempre percecionadas como algo de anormal, em vez de encaradas como parte inevitável da experiência humana. Deste modo, tal como o racismo ou o sexismo, o capacitismo discrimina e inferioriza as pessoas com deficiência, remetendo-as para um lugar marginal na sociedade, reduzidas a um conjunto de estereótipos negativos, preconceitos egeneralizações enviesadas, simplistas e abusivas.
O capacitismo tem uma dupla face, isto é, traduz-se por um lado em comportamentos individuais e, por outro, no modo como operam as instituições e estruturas sociais. Fiona Kumari Campbell (2001), uma das primeiras a explorar este conceito, define-o como:
Uma rede de crenças, processos e práticas que produz um tipo particular de sujeito e de corpo (o corpo normalizado), que é projetado como perfeito e típico da espécie e, portanto, essencial e completamente humano. A deficiência é então entendida como um estado diminuído do ser humano (p.44; nossa tradução).
No plano individual, o capacitismo envolve, por exemplo, sentimentos de desconforto na presença de uma pessoa com algum tipo de deficiência, a redução da pessoa à sua incapacidade, ou a atribuição estereotipada de características específicas a pessoas com um certo tipo de incapacidade (por exemplo, pessoas com síndrome de Down vistas como ‘amigáveis’ e pessoas com deficiência intelectual olhadas como‘perigosas’ ou ‘imprevisíveis’); contudo, independentemente da sua forma,condiciona sempre as interações sociais entre pessoas com e sem deficiência, originando atitudes que podem ser de comiseração, aversão, discriminação ou exclusão.
Estas manifestações individuais ocorrem num contexto marcado pelo capacitismo estrutural e sistémico que se manifesta em legislação, políticas e práticas sociais e culturais que concorrem para a opressão das pessoas que habitam corpos com incapacidades: das leis que promovem serviços segregados, à visão que perpetua o modelo médico e a institucionalização das pessoas com deficiência. Acima de tudo, o capacitismo estrutural acontece quando as pessoas com deficiência não são incluídas nas decisões que afetam as suas vidas, quando a sua presença é dificultada ou impedida e a sua voz silenciada pela ausência de acessibilidade, seja ela física, de linguagem o uatitudinal.
A persistência das perspetivas capacitistas ajuda a explicar alguns resultados que os Relatórios Pessoas com Deficiência em Portugal: Indicadores de Direitos Humanos, produzidos pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, vêm revelando: taxas mais elevadas de abandono escolar, de desemprego e de risco de pobreza ou exclusão social entre as pessoas com deficiência em Portugal, face à população em geral.
Chegados aqui poderíamos pensar que a prevalência do capacitismo reduz as vidas das pessoas com deficiência a uma existência irremediavelmente marcada pela tragédia e pelo infortúnio, só superáveis com uma enorme força de vontade. Nada mais errado. Nem vítimas, nem super-heróis, as vidas das pessoas com deficiência são, afinal, como as de todas as pessoas, feitas de pequenos e grandes passos, de pedras e de pedregulhos, mas também de conquistas, de alegrias e de sucessos. Cabe-nos, enquanto sociedade, eliminar obstáculos desnecessários e criar oportunidades para as deixar florescer.
Nota: Uma versão mais extensa deste artigo encontra-se em Pecegueiro, C. (org.)(2023). Mulheres do meu país: Século XXI.
Paula Campos Pinto
Paula Campos Pinto Paula Campos Pinto é doutorada em Sociologia pela Universidade de York (Toronto, Canadá). Professora Associada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, fundou e coordena o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, onde tem desenvolvido investigação e publicado sobre temas relacionados com deficiência, direitos humanos, políticas públicas e género.
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União Europeia de Cegos preocupada com o impacto da inteligência artificial
Ler artigo: Jornal de Notícias
A União Europeia de Cegos é uma organização que congrega associações representativas das pessoas com deficiência visual de 41 países. Mostra precupação com o papel que a inteligência artificial pode vir a desempenhar e o impacto que tem no caso das pessoas com deficiência visual, quer ao nível do emprego, quer ao nível da participação na vida em sociedade e também, naturalmente, ao nível da acessibilidade a todos os produtos e serviços.
Agenda
Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição.
Cordoaria Nacional | Factum Destaque: Por ocasião dos 50 anos do 25 de abril, as Galerias Municipais apresentam, no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, a exposição Factum, de Eduardo Gageiro. Para esta exposição foram realizadas novas e cuidadas digitalizações, tratamentos de imagem, ampliações e impressões de todas as fotografias selecionadas, a partir dos seus negativos originais. Destacam-se, neste âmbito, algumas das imagens mais relevantes do dia 25 de Abril de 1974, entre outras séries de trabalhos, que mostram o país nas suas várias vicissitudes políticas, sociais e culturais, desde a década de 1950 até 2023: trabalho nas fábricas, no campo, na construção civil, emigração, repressão policial do Estado Novo, manifestações populares, revolução, religião, bastidores da política, personalidades várias, entre outros assuntos. A fotografia mais recente foi tirada na manifestação de 25 de abril de 2023. + info: Galerias Municipais Acessibilidade: As Galerias Municipais de Lisboa organizam uma visita-guiada com interpretação em Língua Gestual Portuguesa no próximo dia 18 de fevereiro, pelas 16h. Para mais informações, contactar info@galeriasmunicipais.pt. |
Museu Bordalo Pinheiro | Hoje Sinto-me Bordalo25 de fevereiro, Lisboa Destaque: Visita guiada ao Museu, com audiodescrição, focada no talento, originalidade e obra multifacetada de Rafael Bordalo Pinheiro.
Acessibilidade: Entrada livre, mediante marcação obrigatória através do email servicoeducativo@ Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt |