A todo o Vapor, sem pressas, mas sem perder tempo

Quantas pessoas com deficiência ficaram este ano fora de atividades culturais por falta de acessibilidade? Não sabemos. E isso é preocupante. 

A precariedade financeira da cultura tem sido um dos maiores entraves à participação plena na vida cultural das comunidades, sobretudo das pessoas com deficiência. Esta fragilidade impede o desenvolvimento de projetos sustentáveis, dificulta o investimento em mediação e aproximação a diferentes realidades, e inviabiliza a consolidação de avanços.

No atual modelo cultural português, multiplicam-se medidas pontuais, muitas vezes dependentes de verbas remanescentes, que podem desaparecer no ano seguinte com qualquer imprevisto. O problema não é apenas orçamental. É também cultural: continuamos a ver o acesso à cultura por pessoas com deficiência como um ato de generosidade – não como um direito inalienável.

Se já é difícil nas grandes cidades, a realidade no interior do país é ainda mais severa. Menos estruturas culturais, projetos que sobrevivem com esforço e mobilidade limitada. É neste contexto que se torna urgente uma estratégia nacional clara, coerente e contínua, implementada pelas estruturas culturais e autárquicas em todo o território, mas para isso precisamos de bons exemplos.

Nenhuma atividade cultural promovida por entidades públicas — ou financiada com fundos públicos — deveria acontecer em espaços não acessíveis. Sabemos que é desafiante, sobretudo em cidades com património histórico. Mas é possível. Em Tomar, no âmbito do programa Atos (TNDM II e Fundação Calouste Gulbenkian), exigiu-se que todas as apresentações fossem acessíveis. E foram. E vieram pessoas em cadeiras de rodas porque sabiam que o compromisso dessas instituições era sério.

Não basta eliminar barreiras físicas ou criar recursos. É fundamental uma estratégia de mediação e comunicação que envolva as pessoas com deficiência, que conheça os seus interesses, e construa uma relação contínua com os espaços e projetos culturais. Sem essa ponte, o risco é reforçar a ideia de que esses recursos são um esforço desperdiçado -quando, na verdade, apenas ficaram pela metade.

Neste contexto, o Festival Vapor, promovido pelo Município do Entroncamento e pelo Museu Nacional Ferroviário, pode tornar-se um caso de estudo. A crescer de forma consistente, com uma programação eclética e num espaço premiado pela Acesso Cultura, o festival assume o compromisso de reforçar a acessibilidade e inclusão.

Com apoio financeiro da Fundação “La Caixa”/BPI, está em marcha um plano de acessibilidades que pensa desde a chegada ao recinto até à forma como o público usufrui e cria laços com o evento. Entre várias medidas (consultar site do festival), destaca-se a entrada gratuita para pessoas com deficiência e acompanhantes, a tradução em Língua Gestual Portuguesa e, acima de tudo, o trabalho invisível de proximidade com instituições e grupos locais.

Um exemplo é o projeto Teatro em Movimento, coordenado pelo Leirena Teatro, em parceria com o grupo Carruagem 23 e utentes do CERE – Centro de Ensino e Recuperação do Entroncamento. Criaram-se cinco cenas deambulantes que atravessam o recinto e interagem com o público. Mais do que atores, são cicerones poéticos do festival.

Queremos também criar discurso e visibilidade. Está em curso uma campanha com embaixadores para chegar a novos públicos e reforçar a mensagem de que este festival é para todas as pessoas. Ainda estamos no início, mas temos um caminho a seguir. E temos a responsabilidade de o fazer.

O Festival Vapor tem as condições para fazer parte da mudança. E como dizia Saramago: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”.

Luís Sousa Ferreira

Adjunto da Direção Artística do Teatro Nacional D. Maria II, com foco no projeto Odisseia Nacional, é também docente na ESAD.CR e diretor artístico do projeto Aldear (11 municípios do Douro, Tâmega e Sousa). Em 2022 fundou a empresa Riscado, dedicada à consultoria e programação cultural. Foi fundador e diretor do 23 Milhas (2016-2022), consultor da candidatura Braga’27 e fundador/diretor do festival BONS SONS (2006-2019). Com experiência em projetos culturais em rede, produção e design, é cronista regular na revista Gerador.

Megafone

The Fundamentals of Caring conta a história de Ben, um escritor que, depois de uma tragédia pessoal, decide trabalhar como cuidador. O seu primeiro paciente é Trevor, um jovem de 18 anos com distrofia muscular e humor peculiar. Juntos, partem em viagem por lugares que Trevor sempre quis conhecer. No caminho, cruzam-se com uma jovem rebelde e uma futura mãe. Disponível na Netflix.    


 

Clipping


Estado corta apoios sociais por deficiência e dependência

Notícia – Sic Notícias

A Segurança Social está a cortar nos apoios para pessoas com deficiência e dependentes. O sistema passou a considerar a prestação social como um rendimento e muitas pessoas deixaram de ter direito porque ultrapassaram o limite. As associações estão revoltadas e pedem explicações ao Governo. 


Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 

Festival Vapor
Museu Nacional Ferroviário, Entroncamento
12, 13 e 14 de setembro

Destaque: O Festival Vapor assume o compromisso de ser acessível e inclusivo, garantindo iguais condições de conforto, segurança e autonomia para todas as pessoas, sem exceção — incluindo quem tenha necessidades específicas de ordem motora, sensorial ou cognitiva, bem como quem se encontre temporariamente condicionado, como grávidas, crianças ou seniores.

+ informação: Festival Vapor

Acessibilidade
Entrada gratuita para pessoas com deficiência e acompanhante (mediante apresentação de atestado multiusos), percursos acessíveis, espetáculos em Língua Gestual Portuguesa, abafadores de som para pessoas neurodivergentes.


Noite Branca
Braga
5, 6 e 7 de setembro


Destaque:

Com uma programação eclética, este evento propõe um vasto leque de experiências que incluem concertos, performances, exposições, instalações artísticas, animação de rua, gastronomia, comércio e museus abertos até altas horas da noite.

+ informação: Noite Branca Braga

Acessibilidade
Concertos de Marco Rodrigues, Lon3r Johnny, The Gift, Calema ou Plutónio com interpretação em Língua Gestual Portuguesa.


Mais sugestões em www.cultura-acessivel.

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