A empatia enquanto promotora da acessibilidade

Sebastião Palha com camisa beje e calças cinzentas em pé num mural preto e branco e também com desenhos a amarelo

Olá!

Cá estamos na quarta edição da newsletter Ensaio, desta vez assinada por mim, Sebastião Palha. Quero dar-vos a conhecer mais sobre o mundo dos surdos, para que compreendam melhor as nossas vivências. Só assim poderemos perceber melhor como criar maior acessibilidade para a comunidade surda. Desta forma, a presente edição dará maior destaque à Surdez.

Vou começar por abordar a importância de continuarmos a investir na conscientização/sensibilização para a acessibilidade. Depois, farei uma referência ao nosso dia de Portugal (viva!). na secção da cultura, irei apresentar-vos 3 eventos importantes: Feira do Livro de Lisboa, o Festival Clín d’oeil e a exposição “O MFA e o 25 de Abril”. Deixo ainda dois filmes – CODA e The Sound of Metal e o livro “O Grito da Gaivota” de Emmanuelle Laborit. 

Por último, e no campo do desporto, trago-vos o rescaldo do jogo de Portugal contra a Irlanda e destaco ainda as Surdolimpíadas.

Prontos para embarcar nesta pequena viagem até à comunidade surda?

Espero que gostem!

Sociedade & Política

  1. Empatia na sociedade: ainda é preciso continuar a trabalhar na conscientização/sensibilização das diferentes entidades que compõem uma sociedade para a acessibilidade nos diferentes setores. A empatia é fundamental para o investimento em acessibilidade nas sociedades, pois é a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro que motiva a criação de ambientes mais acessíveis. Quando os elementos da sociedade compreendem e valorizam as experiências e desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência, tornam-se mais propensos a apoiar e implementar mudanças que promovam a acessibilidade na cultura, na educação, no mercado laboral, nos espaços públicos, transportes e tecnologia.

Sem empatia é difícil reconhecer a importância de adaptar o mundo para atender às necessidades de todos. A falta de compreensão e sensibilidade pode resultar em políticas e práticas que perpetuam a exclusão e a desigualdade. Portanto, cultivar a empatia é essencial para fomentar um compromisso coletivo com a acessibilidade, garantindo que todas as pessoas, independentemente das suas capacidades, possam participar plenamente e com dignidade na sociedade. Trabalhar em estratégias tais como formação, representatividade, visibilidade, diálogo e escuta ativa são uma forma de sensibilizar para as barreiras que existem nas nossas sociedades.

2. Dia de Portugal – No passado dia 10 de junho, o nosso país celebrou mais um dia importante. É o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, uma data que homenageia a nação, a língua e o legado cultural português. Esta celebração ganha ainda mais significado quando relacionada com o Dia da Língua Portuguesa, celebrado em 5 de maio, ressaltando a importância da língua como um elo unificador entre os países lusófonos.

Recentemente, um marco significativo na inclusão foi alcançado com a criação do hino nacional português em Língua Gestual Portuguesa, promovido pela Federação Portuguesa de Futebol em conjunto com a Access Lab, cuja interpretação foi feita por um grupo de surdos. Esta iniciativa não só promove a acessibilidade e a inclusão das pessoas surdas na cultura nacional, mas também celebra a diversidade linguística e a riqueza da comunicação em Portugal. Este evento simboliza um passo importante para a igualdade e o reconhecimento das diferentes formas de expressão dentro da comunidade portuguesa.

Cultura

  1. Evento Nacional: Feira do Livro de Lisboa 2024

    Feira do Livro de Lisboa é um evento anual que celebra a literatura e promove o acesso à leitura para todos. Este ano, contamos com a 94ª edição do evento – e já considerada a maior e mais acessível de sempre. Este ano, houve um maior investimento na acessibilidade, com mais rampas e sua sinalização, fraldários e locais adaptados para pessoas com mobilidade condicionada. Esta aposta na acessibilidade é fundamental, pois garante o direito das pessoas com deficiência à cultura.

  1. Evento Internacional: Festival Clín d’oeil 2024

    Sabiam que existem vários festivais destinados à comunidade surda? O Festival Clin d’Oeil é um deles, e consiste num evento cultural internacional dedicado às artes surdas, celebrando a diversidade e a criatividade da comunidade surda do mundo inteiro. É realizado a cada dois anos em Reims, França e durante o evento, há várias atividades artísticas onde os artistas surdos podem promover a cultura surda, incluindo teatro, dança, cinema, literatura, artes visuais, moda e performances musicais. Para além destas atividades, inclui também exposições, workshops, debates e apresentações, tudo com o objetivo de aumentar a visibilidade da cultura surda e fomentar a inclusão e a diversidade no mundo das artes.

  2. A Exposição “O MFA e o 25 de Abril, na Gare Marítima de Alcântara, que evoca o papel do Movimento das Forças Armadas no fim da ditadura e na construção da Democracia, tem, este sábado, dia 15 de junho, às 14h, uma visita guiada em Língua Gestual Portuguesa.
    Esta visita, de entrada livre e organizada pela Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, tem a presença do curador da Exposição, Pedro Lauret. As inscrições devem ser feitas através do email rita.carvalho@50anos25abril.gov.pt.

  3. Um livro: O grito da Gaivota de Emmanuelle Laborit

    “O Grito da Gaivota” é uma autobiografia de Emmanuelle Laborit, uma atriz francesa surda. No livro, Laborit narra sua vida desde a infância até sua carreira no teatro, oferecendo uma visão íntima e sincera das suas experiências e desafios como pessoa surda.

    Recomendo vivamente a sua leitura pois é um livro que nos oferece uma perspetiva única acerca do que é ser uma pessoa surda numa sociedade que pertence aos ouvintes. Oferece-nos, também, uma reflexão profunda sobre a identidade surda, a importância da comunicação e a necessidade de reconhecimento e respeito pelos direitos das pessoas surdas.

  4. Dois filmes: “Sound of Metal” e “CODA”.

    “Sound of Metal” é uma história poderosa que relata a vida de Ruben, um baterista de heavy metal que faz parte de uma banda. À medida que o filme avança, a personagem vê-se dividida entre recuperar a sua antiga vida com a ajuda de um implante coclear ou aceitar plenamente a surdez como parte de sua identidade. A narrativa explora sua transformação pessoal e os desafios emocionais e psicológicos que acompanham a perda auditiva/surdez. No fundo, o filme conta-nos a luta de Ruben para aceitar a sua nova identidade, as barreiras que vivencia e os desafios que enfrenta.

    “CODA” ganhou o Oscar de melhor filme em 2022. Convido-vos a ver este filme que nos mostra a dinâmica familiar de dois pais e irmão surdos e uma irmã ouvinte. A narrativa de Ruby Rossi, uma adolescente ouvinte e filha de pais surdos, é muito interessante porque explora as complexidades da comunicação e da pertença a uma família e faz-nos perceber que é possível convivermos num ambiente em que a língua gestual e a língua falada possam coexistir. No geral, aborda temas como identidade, pertença, aceitação e resiliência que acredito serem transversais a todos nós. Ainda mais quando se trata da pessoa surda!

Desporto

  1. Jogo Portugal x Irlanda no Estádio Municipal de Aveiro

    No dia 11 de junho, Portugal enfrentou a Irlanda num jogo que foi histórico não só pelo confronto em si, mas pela acessibilidade que foi disponibilizada. O Estádio Municipal de Aveiro esteve equipado com coletes de vibração para pessoas surdas, audiodescrição para pessoas cegas e uma Sala de Pausa para pessoas neurodivergentes. Esta iniciativa procurou garantir que todos os adeptos possam desfrutar do jogo em igualdade de condições, promovendo uma experiência acessível para todos os envolvidos.

  2. Surdolimpíadas – Tóquio 2025

    As Surdolimpíadas (Deaflympics) são um evento multidesportivo internacional destinado a atletas surdos, organizado pelo International Committee of Sports for the Deaf – ICSD). Este evento, que chegou a ser chamado de Jogos Internacionais Silenciosos, é uma das competições mais antigas no campo do desporto a nível mundial e aconteceu, pela primeira vez, em 1924.

    Foi a primeira competição desportiva, a nível mundial, realizada a pensar na pessoa com deficiência, neste caso, da pessoa Surda. Os Jogos Paraolímpicos apenas surgiram em 1960. Promover este tipo de eventos é fundamental para aumentar a visibilidade e demonstrar que é possível haver eventos acessíveis que possam acolher todo o tipo de atletas e espectadores. Já não existe razão para que não haja acessibilidade na sociedade. Já dizia o Nelson Mandela e muito bem: “Tudo parece impossível até que seja feito”. Já no próximo ano, teremos a vigésima quinta edição das Surdolimpíadas em Tóquio, no Japão. Será um ano especial, uma vez que o evento completa 100 anos de existência.


Sobre o autor:
Sebastião Palha

Sebastião Palha é Surdo e teve a oportunidade de adquirir a LGP como língua materna. Em 2016, tornou-se Psicólogo da Educação pelo ISPA e, desde 2015 até aos dias de hoje, atua em diferentes projetos relacionados com a surdez, tendo também realizado intervenções escolares com crianças e jovens surdos. Através da ONGD WACT, implementou durante dois anos um projeto de Educação Inclusiva Não Formal para Surdos em São Tomé e Príncipe. Entre 2019 e 2022, lançou-se no mundo da investigação na área da LGP e da Surdez, que lhe abriu novos horizontes no campo da Teoria da Mente. É atualmente psicólogo na Valor T, agência de empregabilidade que potencia a integração da pessoa com deficiência ou Surda no mercado de trabalho, um projeto da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. Paralelamente, faz acompanhamento psicológico em LGP a crianças, jovens e adultos Surdos.

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