A diferença entre sobreviver e viver com dignidade

Citação de Catarina Vitorino: "A diferença entre sobreviver e viver com dignidade"

Ao longo da História, as pessoas com deficiência têm sido alvo de segregação e silenciamento, sempre com outras pessoas a falar, a fazer e a decidirem por si. Somos aquilo que, quem nos rodeia, quer que sejamos. Como seria de esperar, esta postura assistencialista reduz-nos às necessidades básicas e funciona com o intuito de garantir apenas a nossa sobrevivência, vedando-nos, muitas vezes, o acesso à cultura e ao meio artístico, por considerar esta área supérflua e secundária. Uma das implicações destas práticas reflete-se no desenvolvimento da nossa personalidade. Ora, se alguém decide constantemente por nós, não nos é dada a oportunidade de perceber os nossos gostos, expressar os nossos gostos, ou sequer ter gostos.

Gosto de pensar na cultura como uma janela que se abre para o infinito: permite-nos conhecer um conjunto infindável de mundos, experiências, realidades e perspetivas. Faz-nos rir, chorar, sonhar, principalmente, questionar. É o que nos distingue verdadeiramente das outras espécies, mas também nos diferencia enquanto comunidade e enquanto indivíduos. No fundo, tem o duplo papel de nos confrontar com o mundo exterior e interior, porque a nossa identidade se constrói também a par daquilo a que assistimos através da janela. Não sendo necessariamente politizada, a cultura é condição fundamental para o desenvolvimento de uma consciência política e de um posicionamento perante o mundo. Se, por um lado, nos tranquiliza e diverte, o conhecimento também pode inquietar, fazer refletir e mobilizar para a mudança. 

Além de ser um direito fundamental (que, por si só, já seria argumento suficiente), princípios como a liberdade, a autonomia e a autodeterminação só se atingem em contacto com produtos culturais e artísticos. Uma das dimensões que contribui para este desenvolvimento pleno é a representatividade. Ao longo da vida, crescemos sem quaisquer referências, não estamos presentes, nem à frente, e muito menos em cima do palco (leia-se ecrã, livro, microfone, etc.). Inconscientemente, construímos a nossa personalidade no seio de uma comunidade à qual sentimos não pertencer. Em diferentes circunstâncias, podemos duvidar da legitimidade da nossa existência com direitos, uma vez que não temos conhecimento de experiências semelhantes, ou de um passado de luta e resistência.

A assistência pessoal surge para terminar este ciclo e trazer um novo paradigma, sendo um serviço que apoia a pessoa na realização de todas as atividades do seu dia de acordo com as suas necessidades e, principalmente, vontades. O caráter personalizado que o define permite que, finalmente, possamos começar a conhecer-nos e a explorar preferências, como se passássemos de dentro do casulo para o estádio de liberdade que atinge a borboleta. No entanto, apesar de isto parecer muito elementar, ainda não está disponível a todas as pessoas que necessitam, pelo que a luta não pode parar, nem deixar ninguém para trás.

Embora não concorde com a hierarquização de necessidades que commumente se faz, a verdade é que as pessoas com deficiência ainda lutam por direitos humanos básicos, como o levantar de manhã, ou o poder escolher onde nos levantamos, quando e por quem. Sem estas condições garantidas, torna-se muito difícil falar de acesso a espaços culturais ou de conhecimento. Não porque sejam menos importantes, mas porque nem sequer são uma possibilidade quando existimos reduzidas às necessidades mais básicas. Na verdade, aquilo que a Ciência tem vindo a defender é que todas as áreas que compõem a vida em sociedade são igualmente cruciais para uma vivência plena: é a diferença entre sobreviver e viver com dignidade. Não podemos, nem queremos, esperar mais para atingir o nosso potencial máximo enquanto seres humanos por inteiro!

Catarina Vitorino

Psicóloga e aluna de Doutoramento em Psicologia Clínica no Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. É mulher com deficiência e define-se como ativista feminista, anticapacitista e interseccional. Neste momento, é co-coordenadora da Delegação de Coimbra da Associação Centro de Vida Independente e co-fundadora do Coletivo Feminista As DEsaFiantes.

Amplificador

Reasonable Adjustment – World in Action

World in Action 
apresentava a série popular de documentários da ITV entre 1963 e 1998. Este especial de 1991 relatou as actividades do Reasonable Adjustment, incluindo o bombardeamento da estação de Euston. Originalmente considerado perdido, uma cópia foi recuperada da colecção do entusiasta de World in Action Michael Craven, que gravou todos os episódios semanais num videocassete Betamax desde 1977 até à sua morte em 1995.
A versão áudio descrita apresenta a faixa de comentário original, criada usando uma forma inicial de descrição automática chamada Talktext®, desenvolvida pela Texas Instruments e que foi descontinuada em 1992.

Agenda

Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. 


Festival Boom 
22 a 29 de Julho, Idanha-a-Nova

Destaque: O Boom é um festival inclusivo. A pensar nos boomers com deficiência, tem, no seu site oficial, toda a informação necessária para que a jornada e experiência durante o festival seja em pleno.  

+ info: Página de Acessibilidade

Acessibilidade: Língua Gestual e acessibilidade física.


Mais sugestões em www.cultura-acessivel.pt

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