Quando assumi a direção artística do Alkantara em meados de 2018, com o meu colega David Cabecinha, tinha noção que não sabia quase nada sobre acessibilidade nas artes performativas. De programação, pouco mais. Fomos aprendendo através da nossa prática, próxima de artistas e projetos. As pistas para o que viria a ser o nosso posicionamento estavam lá, desde as primeiras atividades. Foi só preciso tomar atenção.
Por exemplo: recebemos em residência, nesse primeiro ano, Tita Maravilha e Áquilla a.k.a. Puta da Silva, duas artistas trans como quem continuamos a colaborar. Foi imediatamente óbvio que a linguagem que utilizávamos para comunicar – dentro da equipa e publicamente – não dava conta das pessoas e projetos artísticos que queríamos acompanhar. Recolhemos bons exemplos e fizemos formações sobre linguagem clara e inclusiva e hoje temos um manual interno para nos orientar.
Pela mesma altura, vimos e quisemos apresentar Gentle Unicorn da artista italiana Chiara Bersani. Percebemos que não sabíamos em que salas, em que palcos e em que bastidores ela poderia entrar com a sua cadeira de rodas. Hoje conhecemos melhor os espaços de trabalho e apresentação na cidade e comunicamos mais claramente sobre as suas condições para artistas e públicos. Fizemos melhorias físicas no Espaço Alkantara de forma a poder receber artistas com mobilidade condicionada nas suas etapas de trabalho.
Houve experiências pessoalmente muito significativas, também. Na preparação do seu trabalho Coreografia em 2020, João dos Santos Martins abriu aulas de Língua Gestual Portuguesa à comunidade artística. Nunca tinha falado com uma pessoa Surda em toda a minha vida. Despertou-me curiosidade e interesse, e hoje acompanho com outro cuidado e respeito a implementação de audiodescrição e interpretação em LGP nos espetáculos que apresentamos.
Hoje o Alkantara é associado da Acesso Cultura e as pessoas da nossa equipa, de todas as áreas, fazem regularmente formação. Em 2019 criámos uma nova função na equipa — Acesso e Públicos — que ajudou a sistematizar conhecimento e procedimentos. Os teatros onde apresentamos o Alkantara Festival partilham connosco os seus recursos, permitindo-nos oferecer algumas sessões com audiodescrição e interpretação em LGP. Em 2023 formámos vários profissionais em legendagem para pessoas s/Surdas e desde então incluímos este recurso em quase todos os espetáculos do festival.
O Alkantara Festival acontece este ano de 15 de novembro a 1 de dezembro. A maioria dos espetáculos tem legendagem em português e inglês (independente da língua falada em palco) e inclui descrição de sons (um recurso que pode ser útil para pessoas s/Surdas). Há três espetáculos com audio-descrição — dois espetáculos de teatro internacional e um solo de dança em estreia absoluta, produzido pelo Alkantara. Um desses espetáculos terá também interpretação em LGP. A informação sobre acessibilidade no festival está reunida aqui: https://alkantara.pt/
Nem tudo são conquistas. Quisemos angariar financiamento privado para um programa de acessibilidade mais ambicioso, mas não conseguimos atrair patrocinadores, apesar de um investimento significativo nessa busca. É preciso outra estratégia. O trabalho de mediação de públicos que conseguimos fazer é sério, mas modesto. Aqui também há decisões a tomar para o futuro. O nosso estúdio pode receber artistas com mobilidade condicionada, mas não podem subir ao primeiro andar onde é o nosso escritório. O lugar de Acesso e Públicos na nossa equipa vagou recentemente. Vamos aproveitar para fazer uma reflexão sobre o que deve ser esta função num próximo ciclo.
Há muitas razões para investir no trabalho de acessibilidade num lugar como o Alkantara. É uma questão de direitos, de democracia, de dever cívico, da responsabilidade que vem com dinheiros públicos. É também uma questão de arte, dos lugares de pesquisa e potência estética na criação contemporânea.
A minha motivação acaba por ser muito simples, e muito prática. Os projetos que quero programar precisam dessas ações e desses públicos. Talvez por ter aprendido sobre programação e acessibilidade em conjunto, ao fazer este trabalho aqui, só consigo imaginá-las assim, de mãos dadas. Se desejamos apresentar em palco experiências de vida e visões de futuro distintas — como escrevemos no editorial do nosso programa inaugural em 2020 — precisamos disso na plateia, também.
Carla Nobre Sousa
Carla Nobre Sousa é codiretora artística da Alkantara Associação Cultural desde 2018. Integrou a estrutura em 2016, ano em que foi coordenadora de produção do Alkantara Festival, tendo depois assumido a função de assessoria de programação. De 2011 a 2015 colaborou com a Associação Cultural Materiais Diversos, onde foi responsável pela produção e difusão internacional de projetos de Tiago Guedes, Marcelo Evelin, Sofia Dias & Vítor Roriz, Filipa Francisco, Pablo Fidalgo Lareo e Teresa Silva & Elizabete Francisca, entre outros. Detém um mestrado em Artes do Espectáculo (Université Libre de Bruxelles/Université de Nice-Sophia Antipolis) e é licenciada em Teatro e Ciência Política (McGill University, Montréal).
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União Europeia adota diretrizes para reforçar direitos de pessoas com deficiência
A Comissão Europeia adotou regras para acelerar a transição de cuidados institucionais para serviços comunitários, promovendo uma vida independente para pessoas com deficiência até 2030.
Agenda
Eventos com acessibilidade física, legendagem, Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição.
Festival Alkantara | Lisboa
15 de novembro a 1 de dezembro | Lisboa
Destaque: O Festival Alkantara apresenta um programa internacional de teatro, dança e outras artes performativas. E, momentos para a reflexão sobre as práticas artísticas na sociedade contemporânea. Cada edição do Alkantara Festival inicia um percurso com encontros e atividades — no Espaço Alkantara — que aprofundam a relação com artistas do festival, as suas práticas e as questões que os seus projetos levantam.
+ info: Site oficial
Acessibilidade: Espetáculos com legendagem em português e inglês, descrição de sons, espetáculos com audiodescrição e com interpretação em LGP.
Pedro Abrunhosa – Viagens 3.0 | MEO Arena
23 de novembro | Lisboa
Destaque: Do rock ao jazz, Viagens mudou a história e o paradigma da música portuguesa. Considerado o melhor álbum da década de 1990 pela revista Blitz, “Viagens” é ainda hoje um dos discos mais vendidos de sempre em Portugal.
+ info: Site oficial
Acessibilidade:
concerto com recursos de audiodescrição, língua gestual portuguesa e coletes sensoriais. Para ter este recurso, basta adquirir bilhete válido para o evento e enviar um email para acessibilidade@aarena.pt indicando o serviço que pretende.