Dois dias históricos da Comunidade Surda, uma peça de teatro que celebra a liberdade e marcos no desporto surdo

Foto de Mariana Bártolo

Olá!

Aqui escreve a Mariana na 8.ª edição da newsletter da Access Lab, que marca dois dias importantes para a Comunidade Surda, que aconteceram durante o mês de novembro. É uma edição especial, pois no dia 15 de novembro celebrámos o Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa. Este dia marca a fundação de uma comissão que alcançou o reconhecimento desta língua na Constituição da República Portuguesa em 1997, no artigo 74.º, alínea 2) h): “Proteger e valorizar a Língua Gestual Portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades.”

Desde que a Língua Gestual Portuguesa foi reconhecida, em 1997, temos conquistado avanços significativos na matéria da acessibilidade, mas regredimos em algumas outras áreas. No entanto, ainda há muito a ser feito para que a Comunidade Surda tenha pleno acesso à educação, à saúde e a todas as oportunidades sociais. Por isso, trago-vos conteúdo sobre a Comunidade Surda, a Língua Gestual Portuguesa e as suas reivindicações, por ser uma luta de todos os dias, que é de todos nós.

Espero que esta edição especial da Ensaio sirva para celebrar a Comunidade Surda e ter impacto na construção de espaços seguros, onde a Língua Gestual Portuguesa continue a ser valorizada e reconhecida.

Um abraço,

Mariana Bártolo

Sociedade & Política

No passado dia 15 de novembro, para marcar o Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa, aconteceu a Concentração Nacional pela Acessibilidade para a Comunidade Surda, um momento inédito na nossa história. As últimas reivindicações foram há mais de uma dezena de anos.

Para relembrar que a Língua Gestual Portuguesa nasceu da Comunidade Surda, centenas dos seus membros, vindos de vários pontos do país e até do estrangeiro, juntaram-se em Lisboa, no Parque Eduardo VII durante a manhã e na escadaria da Assembleia da República durante a tarde. Em espírito de união, as suas mãos gritaram e fizeram-se ouvir.

No dia 26 de novembro, o Bloco da Esquerda apresentou uma proposta para o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa como meio de comunicação e expressão do Estado Português que foi unanimemente aprovada no contexto do Orçamento de Estado 2025.

Importa ver para além desta aprovação, que podemos festejar ainda com um olho aberto, porque é essencial que o Estado Português e os decisores políticos trabalhem a par com as instituições da Comunidade Surda, para que existam respostas adequadas e concretas.

Nada sobre nós sem nós, como costumamos dizer, não é?

Cultura

 

Não poderia falar de cultura sem falar de livros. Cresci rodeada de livros e tenho sempre um ou dois comigo quer por onde vá, por isso trago aqui duas sugestões de livros que me marcaram muito na minha jornada enquanto pessoa Surda e que podem despertar-vos a curiosidade sobre este mundo do silêncio, que pode ser muito ruidoso, e das línguas que se expressam através das mãos.

  1. O Grito da Gaivota, Emanuelle Laborit: Com uma escrita simples e cativante, a Emanuelle, uma atriz francesa surda, conta a sua história de vida, com momentos que foram muito difíceis para ela porque cresceu sem acesso a uma língua (ao que atualmente, do ponto de vista científico, chamamos de language deprivation, com repercussões importantes a nível da saúde mental da pessoa surda). Os seus pais não comunicavam com ela em casa e ela passou a sua adolescência revoltada com o mundo. Libertou-se e alcançou o sucesso como atriz, sendo atualmente a diretora do Teatro de Surdos em Paris.

Curiosamente, foi precisamente com este livro, na altura ainda na versão francesa, que os meus pais perceberam que o caminho seria aprender Língua Gestual Portuguesa e assim proporcionar-me um ambiente acessível em casa.

  1. Vendo vozes, Oliver Sacks: Com uma narrativa cativante, Oliver Sacks, um médico neurologista explora o universo da Comunidade Surda, as suas lutas e conquistas, revelando a riqueza cultural e linguística da Língua Gestual [americana, neste caso]. O autor mergulha na história da educação dos surdos e nas implicações da privação da língua na infância. Neste livro, Sacks destaca ainda o papel vital da comunidade surda como espaço de identidade e empoderamento. É uma combinação excelente de ciência, história e humanismo, com um olhar sensível e profundo sobre a diversidade humana e a importância da linguagem na construção da subjetividade.

    Este ano, celebramos também o cinquentenário da Revolução dos Cravos. Marquei o meu 25 de abril com uma ida ao teatro com Língua Gestual Portuguesa integrada, com um ator Surdo, o Vasco Seromenho, que é absolutamente brilhante no seu papel.

    Foi uma das experiências mais bonitas que já vivi, portanto não poderia deixar de recomendar esta peça – uma ode fabulosa à liberdade. Quis Saber Quem Sou, um concerto teatral, encenado por Pedro Penim. Ouvi dizer que no próximo ano haverá nova digressão, não percam!

Desporto

Os Surdolímpicos são um marco importante na Comunidade Surda e é onde os atletas Surdos podem competir em igualdade de condições, a nível mundial. Criados em 1924, são um evento pioneiro que precedeu até os Jogos Paralímpicos, e geralmente conta com um grande número de pessoas Surdas na organização, o que é importante no sentido da representatividade.

Recentemente, em setembro, o André Soares (que trouxe medalha de ouro na última edição dos Surdolímpicos no Brasil), e João Marques, destacaram-se com novas medalhas no Campeonato Mundial de Ciclismo para Surdos, na Polónia, e estão apurados para os Surdolímpicos 2025, que irão acontecer em Tóquio, cuja participação aguardamos com grande expectativa.



Sobre o autor:
Mariana Bártolo

Nascida em Setúbal e criada em Lisboa, no seio de uma família de músicos e médicos, Mariana Couto Bártolo é Surda profunda e orgulhosamente nativa em Língua Gestual Portuguesa. Médica inscrita na Ordem dos Médicos desde 2021, tem vindo a desenvolver várias formações de sensibilização para profissionais de saúde e capacitação de intérpretes de Língua Gestual Portuguesa para o atendimento e comunicação com as Pessoas Surdas no contexto de saúde. Recentemente, criou a página de instagram @uma.medica.surda onde partilha o seu dia-a-dia, naquilo que considera ser uma vida perfeitamente normal e feliz, como forma subtil de eliminar o capacitismo e o preconceito em relação às Pessoas Surdas e não só.

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